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Introdução de P. R. Trivedi,  professor e Presidente do Instituto de Meio Ambiente e Ecologia da Índia, sediado em Nova Delhi

 

Durante este último ano, os líderes internacionais e nacionais perspicazes, ao se dar conta do crescimento da preocupação do povo em relação ao futuro do planeta, começaram a se voltar também para essa questão, procurando assim se atualizar. De um ponto de vista geral, tais iniciativas mostraram muito discurso e poucas atitudes. A curto prazo, os líderes políticos podem se dar bem lançando mão de discursos nos quais professam sua preocupação, mas, de uma perspectiva a longo prazo, construir uma economia ambientalmente segura sustentável exige alguns passos específicos e escolhas árduas. Por toda parte, as pessoas estão preocupadas com a degeneração do meio ambiente do planeta e desejam ver atitudes nesse sentido. Essa onda de preocupação talvez marque o começo de uma década ambientalista, um período durante o qual estaremos cada vez mais ocupados com a tentativa de restaurar a saúde do planeta. A tendência à degradação ambiental permanece intocada: as florestas estão sendo devastadas, os desertos se expandem, há mais erosão nos solos, a destruição da camada de ozônio que nos protege da perigosa radiação ultravioleta parece ter se intensificado, e os níveis de dióxido de carbono e outros gases presos na atmosfera continuam a se elevar de uma forma assustadora.


Os efeitos químicos mais disseminados são as mudanças atmosféricas que afetam o clima do planeta. As atividades humanas modificaram as concentrações de dióxido de carbono e as concentrações dessas partículas na atmosfera. Apesar de essas concentrações terem um papel importante para o clima, há ainda incerteza em relação à importância das mudanças resultantes da atividade humana quando as comparamos aos cíclos climáticos naturais. A sociedade humana atual é muito vulnerável às mudanças climáticas. A diferença que separa a demanda de comida de seu suprimento no mundo é bastante pequena, e muitas de nossas estratégias para solucionar o problema da alimentação no futuro incluem premissas implícitas relativas à estabilidade climática. Todas as mudanças climáticas esperadas não seriam necessariamente inaceitáveis para a sociedade humana como um todo. Algumas poderiam até aumentar a capacidade de produção de alimentos no planeta. É crucial, porém, evitarmos influenciar as mudanças climáticas inadvertidamente, arriscando-nos a atingir um nível que possa desencadear mudanças abruptas nessas condições. A vida no planeta Terra adapta-se lentamente às mudanças, e a humanidade não é uma excessão a essa regra.


O controle dos processos que podem inadvertidamente desencadear uma mudança climática global é um problema de alcance internacional. É um dos problemas ecológicos mais desafiantes, pois sua solução está intimamente ligada ao crescimento econômico do mundo, ao consumo de energia, ao crescimento populacional e à produção de alimentos. Produtos químicos como o dióxido de carbono, aerosóis e outros estão sendo pouco a pouco introduzidos no sistema climático. Podemos compreender apenas superficialmente as reações resultantes desse processo. Não sabemos se a natureza da combinação de produtos que constitui o sistema climático pode mudar rápida e irreversivelmente se cometermos um erro. Não sabemos o que constitui um erro, nem temos certeza sobre a importância de uma pequena mudança. Só saberemos quando a experiência tiver sido realizada, quando pararmos de emitir esses produtos químicos, ou quando o sistema climático mudar.

 


O problema do efeito estufa promete ser uma das questões ambientais mais importantes dos anos noventa. Depois de uma década de preocupação na comunidade científica e de negligência popular, o final dos anos oitenta mostrou um consenso político e científico, segundo o qual o mundo não pode mais arcar com o adiamento dessa questão. Os planejamentos exigem ações imediatas, mas tais atitudes dificilmente serão tomadas muito cedo. As mudanças na atmosfera do planeta são de natureza global e, do ponto de vista dos objetivos práticos, irreversíveis, não apenas durante nossa vida, mas também durante a vida de nossos filhos e netos. O problema se torna ainda mais urgente quando pensamos no fato de que a composição química de nossa atmosfera já está muito diferente do que era apenas há um século e meio. Sem ter consciência, nos comprometemos com mais mudanças climáticas do que qualquer sociedade será capaz de enfrentar. O nitrogênio e o oxigênio são ainda os componentes principais da atomosfera, mas muitos outros gases complexos estão sendo adicionados constantemente. O nível de dióxido de carbono está 25% mais alto do que os níveis pré-industriais, o óxido nitroso, 19% mais alto e o metano, 100%. Os clorofluor-carbonos, uma classe de produtos químicos sintetizados, que, normalmente, não existe na atmosfera, também se uniram à camada de gases que permitem aos raios solares chegarem à Terra, mas que apriosionam nela o calor resultante deles.

 

As temperaturas médias do globo são hoje 6°C mais altas do que há cem anos. Não há provas conclusivas ligando essa elevação da temperatura ao efeito estufa, mas algumas provas circunstanciais convenceram muitos cientistas de que essa é a causa. Entretanto, ainda mais preocupante é a elevação de temperatura prevista por meia dúzia de modelos de computadores para o final do próximo século: de 2,5°C a 5,5°C. A diferença entre a elevação ocorrida neste século e a esperada para as próximas décadas é comparável à diferença entre um dia ameno de abril e um dia escaldante do alto verão. A necessidade de enfrentar com eficácia essa questão pressionará as sociedades a se voltarem rapidamente para direções desconhecidas, procurando reverter as poderosas tendências que dominaram a era industrial. Tal desafio não pode ser enfrentado sem um compromisso profundo, tanto da parte dos governos como dos consumidores individuais. Com relação ao equilíbrio do carbono na Terra, são necessárias mudanças inéditas no sistema de sua utilização: criar fontes de energia renováveis e com maior eficiência produtiva, uma taxa de carbono nos combustíveis de fóssil, reverter a tendência ao deflorestamento nos países tropicais e eliminar rapidamente os gases prejudiciais CFC. Acredito que a desastrosa elevação da temperatura da atmosfera capaz de transformar nosso planeta já está acontecendo. O previsto desastre “estufa” transformará o planeta num lugar sombrio onde só haverá pântanos, florestas e desertos áridos. As terras ao ar livre diminuirão, as estações do ano não serão mais as mesmas, e teremos climas muito diferentes. A causa disso tudo encontra-se numa fórmula simples: dióxido de carbono. Cinco mil toneladas de partículas de carbono feitas pelo homem são despejadas no ar anualmente por indústrias e carros e, unidas ao oxigênio, elas se transformam em dióxido de carbono. O oceano e o ar podem absorver algumas dessas partículas de dióxido de carbono, mas, ao que parece, apenas parte delas.​


Uma elevação de um grau na temperatura já faria diminuir a quantidade de chuva na Europa, na maior parte dos países da extinta União Soviética, África do Norte e Centro-Oeste da América, e aumentaria a quantidade de chuva no Canadá, Mongólia, Índia e no Oriente Médio. Isso ocorreria porque uma alteração na temperatura mudaria também os padrões dos ventos, alterando os locais onde se concentra suficiente quantidade de umidade no ar, ou, onde se formam as chuvas. Um aumento de 2 ou 3°C na temperatura do globo derreteria parte do gelo polar, causando uma elevação de 4,5 a 7,6 m nos níveis do mar. Isso significa que os litorais e os bancos dos canais marítimos nos continentes, assim como a maioria das grandes cidades localizadas perto do mar, seriam inundados. O aumento das chuvas pode fazer crescer a produção canadense de trigo e expandir as pastagens da Mongólia. Por outro lado, pode criar monções muito severas na Índia e uma erosão devastadora no Oriente Médio. A diminuição das chuvas pode comprometer as colheitas na Rússia e causar uma enorme diminuição na produção alimentícia dos EUA. Em resumo, as mudanças climáticas podem causar confusão econômica e tumulto político.


O tempo está passando. A cada ano, mais recursos naturais essenciais são destruídos, ao passo que a demanda humana por tais recursos aumenta. Espera-se que nos próximos vinte anos a população do mundo aumente 50%. Visto que as medidas curativas são tão demoradas, precisam ser muito bem focadas, concentrando-se apenas nas prioridades mais urgentes. Faz-se necessária de imediato uma estratégia mundial para se determinar tais prioridades, e não há dúvidas sobre sua urgência. O planeta Terra é como uma família, como uma aldeia global. Tudo o que mencionei sobre as mudanças nos sistemas ambiental e climático pode ser controlado por meio do uso eficaz do sistema tradicional de administração familiar, se pensarmos e tratarmos o planeta inteiro como uma família, sentindo que “apenas a união faz a força”.

 

Esperemos pelo melhor.
Om Bishwa Shanti Hum.

 

Madri, 5 a 9 de maio de 1995.​

 

Introdução de Kyabgon Sakya Trizin Rimpoche

Kyabgon Sakya Trizin Rimpoche é o chefe supremo da tradição Sakya, uma das quatro principais tradições do Budismo tibetano. Ele nasceu em 1945 e foi formalmente entronizado como Sakya Trizin em 1959. É um dos Gurus e amigos de Lama Gangchen há mais de trinta anos.​

 

Motivados pelas ilusões, os seres sencientes realizam ações positivas e negativas. Tais ações, também conhecidas por “carma”, causam a formação do mundo animado e inanimado. Segundo o Budismo, nossas ações passadas também decidem a natureza do mundo externo no qual nascemos e do qual dependemos para a sobrevivência. Apesar de a natureza e as condições do nascimento dos seres vivos serem conseqüêna do carma individual, o mundo exterior é o resultado da união do carma de todos os seres igualmente ligados a ele.

 

Os ecologistas atuais estão preocupados apenas com o impacto negativo sobre o meio ambiente, causado pela exploração direta ou indireta do planeta. Entretanto, o Budismo enxerga muito além disso, considerando a totalidade das ações dos seres sencientes como a causa principal na criação de um mundo agradável ou não. Visto que as ações são acumuladas na mente, todas as transformações dos fenômenos externos estão, em última análise, ligadas à mente. Além disso, assim como a mente e o corpo de uma pessoa são interdependentes, a vida e a natureza, ou mais especificamente, o homem e o meio ambiente são igualmente dependentes um do outro.

 

Nosso esforço infindável na direção da realização de nossos desejos por meio do consumo material excessivo e do mal uso dos recursos naturais nos deixou um planeta que precisa ser curado imediatamente. Muitos movimentos populares estão se esforçando para aumentar a conscientização e salvar a Terra de mais destruição. A maior parte das pessoas, porém, permanece indiferente. Por isso, vemos que um senso de responsabilidade interdependente precisa se estender a todos os seres vivos do planeta.

 

O que pode salvar nosso planeta? A principal escola do Budismo Tibetano é a escola Mahayana, ou “Grande Veículo”. Essa tradição baseia-se no amor, na compaixão e na bodhichitta, a decisão altruísta de chegar à Iluminação pelo bem de todos os seres sencientes. O amor é o desejo de que todos os seres vivos sejam felizes, e a compaixão é o desejo de libertá-los do sofrimento. A compaixão é o fundamento do Budismo Mahayana, e a prática da bodhichitta é intensificada cultivando-se um estado de equanimidade e determinação de trocar a si mesmo pelos outros.

 


À medida que a compaixão por todos os seres sencientes se desenvolve, nós nos tornamos cada vez mais conscientes de nossas ações e, principalmente, de seus efeitos sobre os outros seres e a natureza. Uma vez plantado, cada pensamento, palavra ou ação baseado na compaixão terá resultados benéficos (inclusive no amplo sentido da ecologia), tal como demonstrou a compaixão de Buda, cujos efeitos estão sendo sentidos ainda hoje.

 

 

Nova Delhi, Índia, 2 de outubro de 1993

 

 

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